terça-feira, 28 de novembro de 2017

Tio Bob

Aprendiz de dança de salão, ele não recusa convites para arrastar o pé em bailes da região.

Dia destes, véspera de feriado, Robert, o popular Tio Bob, atendeu o chamado de uma amiga para uma noite de chacoalhos num forró em Várzea Larga.

Zeloso com a fachada, o homem se alinhou para a balada intermunicipal: camisa de seda, colete, calça risca de giz e sapatos envernizados. Tudo no preto básico da elegância.

No horário combinado, a van estaciona no portão da casa dele. Sim, a curta viagem seria no veículo coletivo contratado pelos festeiros.

Da posição ao lado do motorista, salta do carro a assessora que recolhe o dinheiro e abre a porta para os passageiros. Tio Bob ficou estupefato com a figura e apreensivo com o que iria encontrar no evento dançante em Várzea Larga.

A anciã, co-piloto da van, ostentava um rosto traçado de rugas. Excessivas rugas. O cabelo era preto e liso e a maquiagem se resumia a um batom vermelho-bordel. O nariz adunco, notável, realçava a feição daquela exótica e assustadora mistura de Cher com Anjelica Huston. A ousadia —e o mau gosto— aparecia também no figurino: a senhora estava enfiada num microvestido vermelho e laranja estampado com motivos florais e ornado com babados de renda. Robert, um sujeito de fé, se benzeu com a visão apocalíptica.

No interior da condução a coisa ficou ainda mais apavorante. Meia dúzia de moças embaladas em indumentárias próprias da profissão mais antiga do mundo. O cheiro doce de perfume barato infectou a viagem de pouco mais de 20km. Umbigos e cofrinhos eram mostrados em profusão. O teor das conversas enveredava por altos níveis de picância. Tio Bob, temente a Deus, fez o trajeto rezando baixinho.

Ele, na chegada, botou reparo na recomposição de uma gordinha quando a van parou na porta do Forró São Judas. A mulher avantajada subiu no salto plataforma e resgatou com os dedos em forma de pinça o shortinho escuro de tecido mole que se aninhara como um fio dental nas vergonhas dela. Robert, seguidor dos preceitos bíblicos, pediu proteção para Nossa Senhora das Pinçadas Impossíveis.

Num buraco na parede, Tio Bob comprou o bilhete para o bate-coxa. Quando lhe cobraram R$ 5,00 ele teve a certeza da enrascada mequetrefe em que se metera. As “boas-vindas” na portaria do recinto vinham de uma funcionária com cara de jagunço. Lá dentro, sobre um chão de terra batida e sob bandeirolas puídas de festa junina as Marias-Bonitas esperavam a abordagem de seus Lampiões. Vários destes Virgulinos trajavam bermudas, camiseta cavada e chinelos.

Naquele ambiente pecaminoso e hostil, o devoto Robert caiu de joelhos pedindo a intercessão do santo que dava nome ao rala-bucho para sair dali.

Sabe-se lá como, ele conseguiu escapar de Sodoma e Gomorra. Dizem que naquele fim de noite Tio Bob foi visto retornando pra casa num ônibus da Rápido D’Oeste. Numa das mãos, o terço, na outra, um croquete de rodoviária.


em tempo: crônica baseada numa história real; a ilustração do post saiu da caneta do protagonista da epopeia.

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